domingo, 14 de novembro de 2010

Espartilho

Quando foi que nós nos perdemos?
Quando foi que você passou a ouvir o que eu nunca disse, a ver o que eu nunca fiz?
Quando foi que eu comecei a fazer o que você não queria, a agir como você não aceitava?
Em qual momento, em qual dia, em qual mês?
Será que nós começamos a decair, gradativamente, assim como nos construímos?
Sim. Eu acho que eu sei quando foi o início. Foi naquela segunda-feira, quando eu resolvi tentar ser uma outra pessoa.
Foi um erro meu, única e exclusivamente meu, cometido com intenções boas, mas apenas boas intenções não bastam. Pelo menos, não nesses casos.
Você já tentou ocupar o lugar de alguma outra pessoa? É uma sensação horrível, parece que te segura, te sufoca, te impede de respirar. É como um espartilho bem justo, que aperta seu corpo todo, te deixa diferente e te obriga a manter as costas eretas. Muda suas curvas, sua postura, muda até seu jeito de andar.
No início, você fica satisfeita, orgulhosa de si mesma, e tenta usá-lo cada vez mais, durante mais tempo por dia, e mais apertado, até que ele molde você. Mas depois de algum tempo começa a ficar difícil e até mesmo insuportável. Você o encara só por obrigação, começa a se sentir desconfortável, irritada, e aguenta ficar cada vez menos com ele. Porque a sua pessoa, quem você é de verdade, quer aparecer, quer se libertar, precisa sair dali de qualquer jeito.
O espartilho não é você, não faz parte do seu corpo, assim como aquela personalidade que você encarnou não é a sua. E você fica querendo sair, para ser você, mas ao mesmo tempo continuar usando o seu disfarce, acostumar-se a ele, seja para agradar alguém que você gosta, manter o seu emprego ou qualquer outro motivo.
Sabe o que acontece depois de um certo tempo? Você explode. Você bota tudo para fora durante um acesso de fúria, mágoa, stress; porque todo ser humano tem um limite. Você fala e faz muitas coisas ao mesmo tempo, usa a liberdade reprimida na hora errada. E é assim que tudo acaba. Por querer agradar demais, acaba decepcionando. Decepcionando alguém e decepcionando você mesma.
Foi isso que eu fiz. Tentei representar, quase substituir outra pessoa. Tentei ser parecida com ela para que você me amasse mais e para que pudéssemos ser mais felizes. Mas não deu certo, porque eu não era ela. E foi aí que o nosso fim começou. O espartilho rasgou. A nossa história acabou. E nenhum dos dois tem conserto.

2 comentários:

Anônimo disse...

muito.. mas muito bom!

beijao...

Daniel!

nuno medon disse...

olá. bem disposta? texto antigo, mas escrito com alguma dor na alma..coisas do coração. não desista do blog. beijos. um português